Parceria Educacional
ARTIGO

Retrocesso autoritário

Por Luciano Bandeira
Diretor da OAB-RJ e Presidente da Comissão de Prerrogativas


A sanha punitiva da volúvel ‘opinião pública’ não pode pautar o Poder Judiciário

Um atraso no processo civilizatório da sociedade brasileira. Essa é a sensação que qualquer pessoa compromissada com as causas da Justiça e da liberdade experimentou diante da estranha “interpretação” dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal. Como pode haver uma leitura diferente do que o poder constituinte disse expressamente ao consagrar que“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”?

 

A sanha punitiva da volúvel “opinião pública” não pode pautar o Poder Judiciário, que existe, justamente, para equilibrar as relações entre os poderes, proteger minorias e pensamentos divergentes do que prega a maioria. Não importa que a orientação dominante esteja, momentaneamente, posicionada mais à direita ou à esquerda. O essencial é que a Corte Constitucional esteja vinculada apenas ao que diz a vontade do poder constituinte e aos princípios consolidados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, basilares do Estado democrático.

Prender um cidadão antes que todas as oportunidades de defesa tenham se esgotado leva o Estado brasileiro ao retrocesso autoritário. O que dirá o STF àquele que ficou vários anos preso, após uma condenação de segundo grau e que acaba por ser absolvido, após recurso por um tribunal superior? Quem devolverá esses anos de vida ao inocente? A justificativa do combate à impunidade não apaga tamanho retrocesso. Quando o Poder Judiciário começa a lastrear suas decisões no clamor social — cuja consciência é facilmente manipulada —, passamos a viver tempos similares aos da Inquisição.

Por outro lado, falar em impunidade em um país com a terceira ou quarta maior população carcerária do mundo, e com um percentual de 41% de presos provisórios, revela um evidente contrassenso. O fato mais relevante para o presente debate é que 37,2% desses presos provisórios, ao final do processo, ou são absolvidos, ou têm cominadas penas alternativas. Em resumo: milhares de brasileiros são injustamente mantidos na prisão. A decisão do STF agravará esse quadro e representa nítida incongruência com a afirmação unânime de todos os seus ministros sobre o sistema penitenciário brasileiro que “vive um estado de coisas inconstitucional”.

A prisão não é a única forma de combater a corrupção. Muito mais efetivo para a sociedade é a condenação que decrete a perda do patrimônio do criminoso e impeça a sua participação na vida política e empresarial do país. Adjetivar advogados de chicaneiros, aproveitadores do número excessivo de recursos, é introduzir uma falsa questão e agredir gratuitamente profissionais que, muitas vezes com a própria vida, lutaram e lutam pela democracia, liberdade e correta aplicação da justiça. Passamos por tempos difíceis, e a tentação por soluções fáceis e rasas deve ser rechaçada.

*Artigo publicado no jornal O Globo, dia 29 de fevereiro de 2016.

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